Cada turma envolvida tem um tempo letivo semanal dedicado a temáticas como autoconhecimento, relacionamento interpessoal e relação positiva com os outros. Programa conta com o apoio da Fundação Gulbenkian.
Em Matosinhos, a par com a matemática ou o português, o programa curricular de 500 crianças de quatro escolas públicas do Agrupamento Abel Salazar inclui um tempo letivo semanal para trabalhar a educação socioemocional.
Designado “Calmamente® – Aprendendo a Aprender-se”, o programa começou a ser implementado em plena pandemia (em outubro de 2020), e é dinamizado pela Mente de Principiante, uma associação com intervenção no desenvolvimento pessoal desde a infância, com o apoio e financiamento da Fundação Gulbenkian.
Os alunos do agrupamento estão a trabalhar “as temáticas de forma lúdica abordando questões como autoconhecimento e autoconsciência, relacionamento interpessoal e relação positiva com os outros, tomada de decisão responsável, autorregulação, atenção e foco”, explica, ao DN, Andreia Espain, autora do projeto.
Competências que, para a responsável, assumem um papel ainda mais importante nestes tempos de pandemia. “Nesta altura de profunda incerteza, as ferramentas de regulação emocional assumem um papel fundamental na gestão quotidiana das situações. As competências socioemocionais permitem a crianças e jovens regularem as suas emoções e aprofundarem o seu autoconhecimento nestes momentos de instabilidade”, sublinha Andreia Espain, que faz um balanço “extremamente positivo” e destaca a “adesão fantástica” dos alunos.
A responsável explica, ainda, que a “implementação da disciplina em horário curricular dos alunos representa uma enorme conquista que resulta, também, da pronta resposta ao desafio que foi colocado à direção do Agrupamento de Escolas Abel Salazar e que foi possível com o apoio da Fundação Gulbenkian”.
O programa conta com um tempo letivo semanal, em cada turma envolvida, o que representa 50 minutos no 2º ciclo e uma hora no 1º ciclo. “Este tempo é um grande passo para a abertura de maior espaço dedicado a esta abordagem e estamos certos de que, muito brevemente, será transversal a todos os currículos a inclusão de disciplinas de educação socioemocional”, conclui, sublinhando acreditar numa replicação do projeto a outros agrupamentos e nos vários ciclos de escolaridade.
Academias Gulbenkian
O programa desenvolvido em Matosinhos tem o apoio da Fundação Gulbenkian, que implementou 100 projetos – através das suas academias – que visam dotar as crianças e jovens de competências socioemocionais, em sete eixos fundamentais: resiliência, resolução de problemas, adaptabilidade, autorregulação, comunicação, pensamento crítico e pensamento criativo.
A fundação lançou, em maio de 2018, as Academias do Conhecimento, num “movimento de promoção de competências para que as crianças e jovens de hoje sejam capazes de enfrentar um futuro em rápida mudança”. Com este projeto, pretende chegar a 10 mil jovens, nos próximos cinco anos, e dotar uma centena de organizações sem fins lucrativos de metodologias e estratégias que desenvolvam novas competências para crianças desde os 0 anos aos jovens até 25 anos.
“Iniciámos o programa das academias em 2018, porque identificámos uma lacuna do ponto de vista de perfil de saída das crianças e jovens. As escolas ainda têm um ênfase muito grande nas competências académicas, que são fundamentais, mas cada vez menos suficientes para que os jovens lidem com as mudanças e as transformações da sociedade, como esta pandemia. Como se preparam as crianças para a disrupção? Como se trabalha, por exemplo, a diferença? Vimos que as crianças não estavam a ser bem preparadas”, explica ao DN, Pedro Cunha, diretor do Programa Gulbenkian Conhecimento.
Segundo o responsável, a Fundação Gulbenkian procurou colmatar essas lacunas e lançou um concurso aos interessados (escolas, associações desportivas, entre outros), estando a apoiar 100 projetos em todos o país, que mobilizam “mais de 30 mil crianças e jovens”. “Todos os projetos têm três características comuns: dirigem-se a crianças e jovens desde os 0 aos 25 anos; todas eles trabalham as mesmas competências fundamentais para o século XXI (resiliência, resolução de problemas, adaptabilidade, autorregulação, comunicação, pensamento crítico e pensamento criativo) e todos avaliam o desenvolvimento dessas competências com base nos instrumentos mais avançados”, refere.
Segundo Pedro Cunha, há “um grande interesse por parte das escolas e das famílias sobre a promoção destas competências do século XXI”, embora a sociedade ainda apresente dúvidas. “Tenho encontrado muitas pessoas que desvalorizam essas áreas. Muitos acham que é trabalho dos pais, mas mesmo para esses há argumentos cada vez mais fortes. O que a evidência mostra é que quem está só preocupado com os conteúdos básicos (escrever e contar) percebe que trabalhar essas áreas promove o desenvolvimento dessas aprendizagens básicas”, afirma.
Pedro Cunha avança com situações práticas exemplificativas da importância das competências socioemocionais ao longo de toda a vida. “A maioria das pessoas são despedidas, não por falhas nas hard skills, mas sim em falhas nas soft skills, onde se enquadram as competências referidas”, conclui.
Investimento de 6 milhões de euros
As 100 academias da Fundação Gulbenkian representam um investimento de seis milhões de euros. Trata-se do maior projeto europeu nesta área (educação socioemocional) e o maior projeto na área da educação da Fundação.
“Já temos um acordo com o Ministério da Educação e as experiências que se revelarem mais eficazes vão ser transformadas em oficinas de formação para professores. As academias arrancaram em 2018 e terminam em 2022, mas a partir de setembro, se a pandemia permitir, já teremos formação em algumas escolas”, conta Pedro Cunha.